Nesta Páscoa, resolvi lembrar pessoas que realmente foram cristãs. Eu tive um tio que era santo. Chamava-se João Teixeira. Era
irmão da mãe da mamãe, minha avó Beatriz, também uma santa. Nesta semana santa,
vou reproduzir um artigo que sua prima, Rosalda, escreveu em Cascatinha (deve
ser alguma fazenda de Barro Preto), em 19 de dezembro de 1934. João Teixeira era para mim é uma foto que
tinha na casa da Tia Anésia e do Tio Evaristo. Eles moravam em um sítio ali no
São Benedito. A foto me encantava, coloria os meus domingos, quando deixava
meus pais lá fora chupando laranja e ia contemplar aquele moço lindo na parede
da Tia Anésia.
Vou
reproduzir o português da época:
“TUDO
TRISTE
(Pela
morte de João Teixeira)
Fecho-me sósinha em meu quarto
silencioso e triste para mais uma vez meditar sobre a sua morte tão prematura.
É sob a influência do triste
aspecto de um dia de chuva que escrevo estas linhas, parecendo que a natureza
toda se compraz em argumentar a minha tristeza...
Quis ver-me antes de morrer...
Chamaram-me às pressas. Fui. Quando cheguei, todos me abraçaram chorando e eu
tive que me deter na sala atè que passasse um pouco a emoção. Enxugando depois
as lágrimas que teimavam em saltar-me dos olhos tomei alento e entrei. Parecia
já um cadáver, mas se a matéria sucumbia
o espírito não fraquejava ainda: porque quando abriu os olhos, os grandes
olhos, fitou-me tristemente e disse:
- Você chorou; e porque? Isto
não é nada., O que poderá acontecer è eu morrer, mas para isso já estou preparado. Confessei-me hontem e
Deus està commigo. E como eu lhe pedisse para não falar em morte elle
continuou: - Creia minha prima, que nunca desejei a morte, porque isto não é
digno de um christão, mas sempre pensei nella e nunca me esqueci destas
palavras da Sagrada Escriptura: - “Lembra-te que és pós e que em pós te
tornarás”. E continuou ainda: Deus era Senhor do meu destino por isso o aceitei
resignado.
Sahi da casa de meus paes
procurando luctar pela vida e fui buscar a morte. Deus assim o quis e eu
dou-lhe infinitas graças por me ter permittido regressar com vida a casa
paterna, concedendo-me a suprema ventura de morrer no regaço materno, recebendo
a benção de meus paes e o beijo de meus irmãos.
Tentei animal-o para a vida,
dizendo-lhe que estava muito moço ainda para pensar em morrer e que tomasse com
regularidade os remédios para que sarasse e sahisse logo da cama. Respondeu-me:
Sahirei amanhã cedo se Deus quiser.
E com efeito, ás sete horas da manhã do dia
seguinte entregou sua alma a Deus. Sim, pode-se ter quasi a certeza de que Deus
o recebeu em seu Reino porque sabe que foi um santo e morreu com as melhores
disposições de espírito.
Para provar esta verdade copio
aqui um trexo de uma carta escripta por elle.
Trexo de uma carta escripta em 9 de março de 1934:
Sempre
bondosa prima,
Recebi
tua carta que, como sempre veio dar-me immenso prazer, mormente agora que ando
doente e aborrecido.
Tudo
para mim tem se tornado nubloso, parecendo que um véu espesso turva a minha
existência. Há momentos em que vontades exquisitas.
Estar
em um logar ermo, onde só exista o meu Eu, Deus e a Natureza.
Minha
prima. Bem sabes que sempre confiei em ti e por isso tomo a liberdade de
contar-te todos os meus pensamentos, porque sei perfeitamente que os sabes
comprehender. É verdade que nada tens com meus pensamentos, ou melhormente com
a minha vida, mas, como já te disse, és a minha confidente e sinto-me feliz em
relatar-te os meus sentimentos. O meu ideal, de certos tempos para cá, è ser
padre; mas é um ideal que me preocupa seriamente.
Já
sou um tanto idoso (25 anos) mas isto não me empediria; o maior impedimento é o
meu estado de saúde que não é muito bom, devido aos grandes abalos moraes
porque tenho passado de alguns mezes para cá; insucessos em negócios e
sobretudo a deslealdade de alguns amigos iníquos.
Tenho
pensado que não haverá mais sublime que ser um guia da humanidade. Sim; dessa
humanidade actual que irrefletidamente segue a vida a seu bel prazer,
esquecendo-se que existe um Deus a quem todos nós temos que prestar contas um
dia. Sabes perfeitamente que o século que atravessamos tudo admite e, eu, nas
minhas horas de reflexão, penso que se fosse um padre saberia arrebatar essa humanidade perdida
do caminho do mal para o caminho do bem; não como um sábio, mas como um
devotado ministro de Christo, mormente
na actualidade que vejo mundo composto de hypocrisia e falsidade.
Que
dizes das minhas ideias? Sinto deveras não gozar boa saúde, sinão poderias
contar que daqui a uns oito annos tinhas um primo padre. Mas sei que o meu
esforço por mais que seja irá sempre prejudicando e não chegarei a realizar o
meu desejo; de formas que contentar-me-ei em ir alimentando os meus doces
ideaes.”
João Teixeira não foi um poeta,
não foi um artista, não foi um sábio e nem foi um santo. Mas foi tudo isto ao
mesmo tempo, porque soube sempre comprehender e admirar o que é bom e bello.
Foi mais ainda um amigo de
todos; pobres e ricos, sábios ou nescios. Estimava os ricos e amava os pobres.
Admira os sábios e compadecia-se dos ignorantes. E mais que tudo isso, ainda, a
sua alma soube sempre compreender o poder supremo do nosso Creador e procurou
sempre incutir aos descrentes sua fé inabalável.
Que Deus o tenha em Sua Eterna
Glória gosando a recompensa das virtudes que praticou cá na terra. “
Rosalda
Cascatinha, 13 de dezembro de
1934
Publicado no jornal O Carmo do
Rio Claro , domingo, 23 de dezembro de 1934
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