O MEDO
A hóstia não sangrou
Dissolveu no céu da minha boca
Mas começou a chover
E três dias choveu em seguida
E não adiantava ramo santo ou gritos de Santa Bárbara
Era preciso confessar e guardar a alma
Pra livrar-me do fogo do inferno.
- Padre, perdoe-me os pecados esquecidos.
Aquele sobre o qual não tinha controle
E haveria de pecar de novo
Mas quando a chuva começava
Eu levava lá para dentro
Soldadinhos de chumbo, bolinhas de gude, músicas de roda, cecelêcelêpacê cecelêumpédelê
Onde tu vais toco de mio, onde tu vais toco de mio..
Bonecas de pano,
Lençóis na cabeça.
Não levava o medo
Até que o livro ilustrado vinha parar na minha mão
Purgatório inferno fogo
Purgavam minha inocência
Eu me benzia o credo em cruz
Beijava o escapulário de Maria
Pra não ver o escuro de sombras que se formava
Em torno da luzinha de azeite.
Meu pai e minha já dormiam de mãos dadas
Sorrindo
Eu escutava quatro galos cantando
Sons de assombrações
Até mexer na cama com bastante descuido
Pra acordá-los inocente
Aí, enquanto eles pelejavam para dormir de novo
Eu sonhava com barquinhos de papel
Boiando na enxurrada
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