quarta-feira, 5 de março de 2014

CRÔNICAS DE BELO HORIZONTE: O DIA EM QUE A CAPITAL DE MINAS CARNAVALIZOU

Prometo, é a última vez que falo de carnaval. Mas, gente, é quarta feira de cinzase nem me lembrei disto. Acordei com uma sensação gostosa no corpo, de quem dançou e desopilou todas as minhas mágoas. Esqueci, gente, é quaresma. Mas quaresma passa tão batido aqui na capital. Vou contar só mais um pouquinho. Aqui rolou um carnaval pouco sexualizado, um carnaval politizado, engraçado, criativo e extremamente diversificado. Enquanto os foliões aproveitavam a festa que se espalhou pela cidade, havia opções de jazz, exposições, mostras de cinema etc nos centros culturais.




Rosângela Castro e Mário Lúcio Arreguy, na Praça da Liberdade.
Estou  com saudades do carnaval. Estou com saudades da descoberta. De sair pelas ruas sem saber o que ia encontrar. A surpresa de, já no supermercado, trombar com homens vestidos de mulher e pessoas com colares coloridos. Belo Horizonte é tranquila, pra dentro, discreta. Mas era carnaval e tudo se permitia. O carnaval prometia 1 milhão de pessoas, blocos em todos os bairros. A população tomou as ruas. Quem conhece BH, sabe que todo mundo viajava e, se quisesse sossego, era só ficar aqui. Mas no ano passado o fenômeno começou a se manifestar e a mostrar a que vinha.

Este é meu amigo, Mário Lúcio Arreguy, no carnaval de Belô. Ele é um autêntico belorizontino. É um artista plástico conhecido. Estudamos juntos jornalismo. Depois, ele deu aulas para minha filha Iana. Não nos encontramos, infelizmente. E foi justamente no dia em que dancei marchinhas, sambei e andei atrás de dois blocos sozinha. Grande personagem da cidade. Um querido!

Penso que é consequência, em parte, dos movimentos da Praia da Estação, da ocupação da Câmara que, para festejar a vitória sobre o preço das passagens de ônibus,  ocupou debaixo do Viaduto de Santa Teresa e a rua atrás da estação ferroviária. E por ali se espalharam shows, performances, vários tipos de som;  até um jogo de queimada e um balanço pendurado do viaduto faziam parte do evento. 

A Praia da Estação também tem um conteúdo político. Começou porque o prefeito Márcio Lacerda começou a vender os espaços da praça. Só podia ocupar se pagasse um tributo. Então, a moçada desce para a Praça da Estação de roupas de banho,  jogam frescobol, cantam, dançam... O prefeito desliga a fonte. Então, a moçada contrata um caminhão pipa e todo mundo toma banho..
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Um ônibus gratuito circulou entre os blocos levando os foliões. Disse a Iana, minha filha, que foi uma festa dentro do ônibus. Ela entrou no circuito do movimento Praia da Estação e foi a blocos diversos. Gostou demais do Então Brilha, que saiu no baixo centro, na Guaicurus até a praça da Estação, onde estava o Bloco da Praia. Foi então que a chuva caiu e ela se esbaldou. Nem precisou de caminhão pipa. De Tarifa Zero foi para a Praça Floriano Peixoto, onde estava o Approach, que tocou de tudo um pouco.

Aqui começou, o povo tomou a praça da Estação em protesto e inventou uma nova maneira bem humorada e prazerosa de protestar.

Teve a Noites Brancas no Parque Municipal e o povo foi, passou por lá a noite inteira vendo a diversidade de artes acontecerem; a Virada Cultural. O belorizontino gostou. 

Político por natureza, a alma mineira brincou e juntou às marchinhas de carnaval críticas políticas. No ano passado, venceu “As Coxinhas da Madrasta”. O vereador Léo Burguês andou cometendo o delito fazendo compras para a Câmara Municipal. Este ano, no concurso de marchinhas ganhou “A Marchinha do Pó Royal”. Ironiza a história do avião de cocaína encontrado em avião dos Perrelas.
Marchinha do Pó Royal, ironia política. Nada bom para Aécio Neves.

“Deixaram o Pó Royal cair no chão/ em pleno baile de carnaval/achei que ia rolar a confusão/mas a turma achou legal./O pó chegou voando no salão/que farra sensacional/deu até notícia na televisão/virou Baile do Pó Royal./O pó rela no pé/O pé rela no pó/O pó rela no pé/O pé rela no pó/Esse pó é de quem tô pensando?/Ah é sim, ah é sim/Você sabe eu também sei/Ah é sim, ah é sim/Não espalha que vai ser melhor”.
Minha filha, Iana Otoni, de tigresa no Baianas Ozadas.

Bia Castro César e Soraya Lacerda no Baianas Ozadas



E foi assim este carnaval muito peculiar que aconteceu. Para grande parte de  nós, que aqui moramos, foi uma surpreendente surpresa. Que bom sair por aí, cruzar com gente fantasiada, ouvir diferentes ritmos. A gente ainda não conhecia os blocos. Fomos atrás sem saber direito. Ficamos conhecendo “As Baianas Ozadas” que cantaram Caymi rua João Pinheiro abaixo até a Praça da Estação. Por ali haviam passado O Samba da Madrugada, Dona Jandira, A Velha Guarda do Samba de Belo Horizonte, culminando com Martinho da Vila. Martinália cantou na Savassi no sábado.
Tambor Mineiro

Lá no Prado, rolou o melhor do batuque com o Mestre Tizumba, hoje ator global, no Tambor Mineiro. No Mercado das Borboletas, rola sempre um som mais contemporâneo, teve lá um funk bom. Teve Soul com o pessoal do Quarteirão do Soul, que é fantástico. Eles se reúnem toda semana perto do Mercado Novo ou na Praça Sete e relembram nas roupas, indumentárias e músicas o som de James Brown. A todo momento eu me lembrava de minha irmã Carla,que ama o rock e que, no Carmo, vive lamentando não ter rock no carnaval. Pois é, teve. Na segunda noite, cansados de tentar ouvir o som no palanque – a acústica não estava boa – dançamos rock no meio do quarteirão. No palco, um grupo especial tocava Beatles e outras músicas em ritmo de samba. Chic demais!

Como uma comportada senhora do Carmo, fiquei ali pela região da Savassi, exatamente no quarteirão fechado da Status, livraria tradicional que acabou trazendo restaurantes para o entorno, transformando o quarteirão em espaço agradável, extremamente prazeroso. Ali, ficavam as famílias, as crianças e nós, da “terceira” ou “segunda” idade curtindo as marchinhas tradicionais, que muito me emocionam. Também os sambas de raiz.
Quarteirão da Livraria Status, na Savassi, um ponto de encontro para happy hours.


Saudade de sair pelas ruas e descobrir um Belo Horizonte novo, pleno de criatividade. Detalhe: não houve maiores ocorrências, tudo rolou em paz, com bloquinhos em todos os bairros. Na terça, teve o Bloco da Esquina, homenageava o Clube da Esquina. Enfim, Belo Horizonte é multi, é um caldeirão de arte em plena fervura.

Vamos continuar ocupando as ruas com shows, performances, movimentos. Uma outra coisa legal que aconteceu recentemente foi o “Dia Grátis da Gratidão”. Nesta versão, foi na Praça da Liberdade. Você levava o que queria doar, se desfazer, sempre em boas condições – livros, roupas, objetos, vasos de flores etc – e levava o que queria gratuitamente. Também se dava abraços, aulas de dança, apresentação de marionetes.... Achei chic demais! Em um tempo tão consumista, um gesto assim tão lindo! Vamos fazer outros por aí?






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