quarta-feira, 20 de outubro de 2010

CASOS DA ÁGUA LIMPA!


Em Minas Gerais, ouvi muitas histórias, principalmente as que se passaram na Fazenda Água Limpa. Com a licença poética, recriei a história de uma mulher que passou por aquelas paredes e lhe dei um outro nome:

OLONTINA

Tudo isso se passou por volta de 1897. Era uma vez dois irmãos: um muito bom, um muito mal. João Tromba, o bom, era amoroso com os negros. Zeca Tromba era uma peste. Olontina, filha do coronel vizinho da fazenda, amava João Tromba, mas seu pai resolveu dar sua mão para Zeca Tromba, porque era ele o mais velho.

Olontina, com os mais fundos olhos possíveis e a mais terrível das emoções no peito, prepara-se para se casar com Zeca Tromba. Homem ríspido. Duro de roer. Andava com um laço manejando-o no ar e ai de quem tivesse na frente. Se João Congo passava mesmo ao lado, o chicote lambia o lombo do negro sem dó nem piedade.

Maeva, a pajem, prepara um banho para Olontina, em água perfumada de colônia. A moça, em lágrimas. A ama conforta:

- Sinhá, num adianta chorá o seu destino. Aceite esse traste e tente depois domá ele.

Maeva era mãe preta, foi ela quem deu de mamar a Olontina, a tinha por filha e no coração carregava uma mágoa profunda pelo coronel que fez isso com a pobrezinha. Veio do Congo e era cativa, mas permaneceria na Fazenda Água Limpa mesmo depois de alforriada. Olontina não se conformava, perderia definitivamente João Tromba. O mundo era negro para ela. Ainda aquela noite seria de Zeca Tromba, que de fato a possuiu rudemente, sem cuidados, na secura dos humores, depois se virou para o lado e dormiu e roncou alto em seus longos bigodes, deixando a flor aberta em dor, em sangue, profanada, dolorida.

- Tina, sua mãe trouxe-lhe a roupa. É linda, toda bordada, foi feita pela Dona Nicotinha, o ateliê mais chic da cidade.

Dona Nicotinha aprendia as novidades no Rio de Janeiro e em Carmo do Rio Claro era a dama mais elegante e fina. Conta-se que um dia a cidade se preparou para receber uns militares, que ironizaram pensando que estavam indo para um lugar atrasado, na roça. Pois Dona Nicotinha se esmerou e preparou mesa com copos para água, vinho e talheres perfeitamente postos e até lavabo, para espanto das visitas, que acabaram bebendo a água do lavabo e a água da Jacuba, de fato.

A roupa lá, esperando. A ama derramando a água perfumada sobre a sinhá, vestida de camisola sobre a água. Nem ela ainda conhecia seu corpo em flor. Os sapatos finos vieram do Rio de Janeiro, eram brancos de pelica, ornados em delicados desenhos dourados e em um pequeno salto. A calda tinha mais de 10 metros de tule, trabalhados em lantejoulas. O enxoval chegou da Europa e desembarcou pelo Vapor Francisco Feio, que cortava as águas do Rio Grande e Sapucaí antes da hidrelétrica, que chegaria tempos depois.

- Maeva, será que ele vai deixar o chicote fora do quarto?

- Que é isso, sinhá. Homem nessa circunstância pode até se acalmar, quem sabe ele pode ser bom com você.

- Acabou. Rios de lágrima.

- Acabou, minha vida acabou. Terei que deixar João Tromba, o meu amor.

Sua mãe entrou no quarto, distinta, finíssima, como todos daquele lugar. Estava por um lado feliz, sua filha se casava na família Tromba e isso era distinção social, por outro, coração de mulher, temia pela filha, dar sua flor ainda mocinha para aquele homem rude, que todos conheciam por ali e sabiam dos seus procedimentos. Que idéia do Senhor Estevão meu marido, pensava. Por que não deu ela a João Tromba?

- Filha, chegou a hora.

Linda em detalhes e requintes, a mais linda flor da sociedade. Levantou-se e declarou:

- Estou pronta para os sacrifício.

Suas palavras ecoam até hoje naquelas paredes antigas. Conta a história da Frazenda Água Limpa que depois daquele dia e daquela noite, Olontina se matou.

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