COPOS DE LEITE
É tudo assim ou é imaginação?
Será que a poesia toma conta de mim
a tal ponto que ela exista para mim
em tudo
Antes da vida ser o que ela é?
Às vezes, penso que não vejo o mundo como ele é,
mas o imagino.
Não vejo com os olhos.
Mas com os olhos dos olhos.
Hoje agora aqui a poesia me visita
E os copos de leite de Fazenda Água Limpa
Brancos se fazem,
habitando o dia em Belô.
Nessa manhã de frio.
As geadas do sul de Minerais.
Onde até hoje os carneiros pastam
e os homens casmurros vestem mantôs
de lã de carneiro.
Tempo frio e distante.
Um frio que corta.
E esfria meus pezinhos de criança
Em plena maturidade
Pode uma casa habitar um corpo?
A casa da Fazenda Água Limpa é parte do meu corpo.
Nela nasci e cresci, como uma casca em volta de mim.
Não existo sem suas longas paredes
E sem suas 39 janelas de puro espaço e visão.
Esquecer a Fazenda Água Limpa é como esquecer o começo
Menina de pés no chão
Cheiro de esterco! O fogo apagô cantando eternamente na Várzea
Dos meus sonhos.
Tempo de pai vivo.
Até hoje as paineiras imensas
Matronas e grotescas olham para mim
De dentro do tempo.
Elas, os muros de pedra, o adobe das paredes
Tudo me fala de mim, meu sangue, dos meus ancestrais.
E consigo acordar de novo meu pai Edmundo
Minha mãe Nivalda e a renca de irmãos
e com eles correr
pelas grandes tábuas largas cheias de um ventinho gostoso
Que vem lá dos grandes porões.
Os porões, os morcegos. Os negros.
Imensas toras contam caladas.
As pedras vindas de longe confirmam.
O pé direito alto dá testemunho de um tempo bem mais espaçoso
e fresco
Um tempo onde todo mundo tinha tempo.
A casa conta coronéis e sinhazinhas.
Conta fantasmas.
Mitos e mistérios.
Fazenda Água Limpa.
Seu nome retumba pela região.
Na várzea, tuiuiús, garças brancas e cor de rosa, patos, marrecos... Gaviões, tucanos, maritacas, papagaios... Ainda se vê lobos por lá. Capivaras, Tatus.
O Lago de Furnas na paisagem
lembra que a água veio,
mas não chegou na fazenda.
Lá deságua o Rio Claro.
Lá corre o reguinho de águas puras
Um dia um beija-flor do rabo branco me visitou.
Estava meditando na beira de um riacho.
Três vezes voou sobre a água, diante de mim.
Na família anuncia morte.
Mas desta vez, tinha certeza
Anunciava vida.
Que Deus, no beija flor,
era resposta às minhas orações.
E me presenteava com aquele sinal,
só entendido por alguém
que um dia teve o privilégio de conhecer Alice Figueiredo.
Ela tinha premonição dos beija-flores.
O beija flor apareceu ali mesmo,
entre os copos de leite da Fazenda Água Limpa.
24 de junho de 2009.
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