terça-feira, 19 de outubro de 2010

PODE UMA CASA HABITAR UM CORPO?


COPOS DE LEITE

É tudo assim ou é imaginação?

Será que a poesia toma conta de mim

a tal ponto que ela exista para mim

em tudo

Antes da vida ser o que ela é?

Às vezes, penso que não vejo o mundo como ele é,

mas o imagino.

Não vejo com os olhos.

Mas com os olhos dos olhos.

Hoje agora aqui a poesia me visita

E os copos de leite de Fazenda Água Limpa

Brancos se fazem,

habitando o dia em Belô.

Nessa manhã de frio.

As geadas do sul de Minerais.

Onde até hoje os carneiros pastam

e os homens casmurros vestem mantôs

de lã de carneiro.

Tempo frio e distante.

Um frio que corta.

E esfria meus pezinhos de criança

Em plena maturidade

Pode uma casa habitar um corpo?

A casa da Fazenda Água Limpa é parte do meu corpo.

Nela nasci e cresci, como uma casca em volta de mim.

Não existo sem suas longas paredes

E sem suas 39 janelas de puro espaço e visão.

Esquecer a Fazenda Água Limpa é como esquecer o começo

Menina de pés no chão

Cheiro de esterco! O fogo apagô cantando eternamente na Várzea

Dos meus sonhos.

Tempo de pai vivo.

Até hoje as paineiras imensas

Matronas e grotescas olham para mim

De dentro do tempo.

Elas, os muros de pedra, o adobe das paredes

Tudo me fala de mim, meu sangue, dos meus ancestrais.

E consigo acordar de novo meu pai Edmundo

Minha mãe Nivalda e a renca de irmãos

e com eles correr

pelas grandes tábuas largas cheias de um ventinho gostoso

Que vem lá dos grandes porões.

Os porões, os morcegos. Os negros.

Imensas toras contam caladas.

As pedras vindas de longe confirmam.

O pé direito alto dá testemunho de um tempo bem mais espaçoso

e fresco

Um tempo onde todo mundo tinha tempo.

A casa conta coronéis e sinhazinhas.

Conta fantasmas.

Mitos e mistérios.

Fazenda Água Limpa.

Seu nome retumba pela região.

Na várzea, tuiuiús, garças brancas e cor de rosa, patos, marrecos... Gaviões, tucanos, maritacas, papagaios... Ainda se vê lobos por lá. Capivaras, Tatus.

O Lago de Furnas na paisagem

lembra que a água veio,

mas não chegou na fazenda.

Lá deságua o Rio Claro.

Lá corre o reguinho de águas puras

Um dia um beija-flor do rabo branco me visitou.

Estava meditando na beira de um riacho.

Três vezes voou sobre a água, diante de mim.

Na família anuncia morte.

Mas desta vez, tinha certeza

Anunciava vida.

Que Deus, no beija flor,

era resposta às minhas orações.

E me presenteava com aquele sinal,

só entendido por alguém

que um dia teve o privilégio de conhecer Alice Figueiredo.

Ela tinha premonição dos beija-flores.

O beija flor apareceu ali mesmo,

entre os copos de leite da Fazenda Água Limpa.

24 de junho de 2009.

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