domingo, 22 de janeiro de 2012

VEIA LUSITANA!

Ninguém melhor para resumir Ouro Preto que Dona Olímpia, essa incrível personagem que habitou aquelas ruas e dizia que conhecera Tiradentes. Vivi histórias maravilhosas em Ouro Preto. Aqui, publico uma crônica sobre a ida de carmelitanos para São Paulo, na década de 70, misturo fantasia e realidade para recordar aqueles bons tempos. Embaixo, cenas dos anos 70 em Carmo do Rio Claro, onde as mini saias imperavam absolutas. A perna mais comentada da região era a da Martinha, de Passos. Eu nunca as vi, apenas na imaginação. Pelas bandas do Carmo, também se comentava muito as belas pernas da nossa Miss, a Cléa Lúcia. Aí, ela embaixo junto com outras amiga de então: a Codô, a Eliana, a Rodinha, a Tereza e nós, Carla, Cláudia e Cleise, em baile no GEC.


Outras turmas de 70

Na cozinha da Casa da Nivalda, que marcou presença na década de 70.


Aconteceu nos anos 70

O ônibus sacoleja pelas estradas de terra que levam a Alfenas. Clio vem de Senhora do Carmo, vai baldear nas Terras de Alfenas e de lá vai para São Paulo. Suas irmãs já foram. Juntando-se a elas, vão procurar emprego. A mãe viúva ficou lá atrás rezando os terços e zelando de longe pelas três filhas mocinhas. Mas, o quê que podia fazer, era o destino dos jovens pós águas de Furnas. O pai morreu prematuro, a mãe dona Valdevina fazia salgadinhos para vender. As filhas foram para vencer em São Paulo. O rádio convida São Paulo é São Paulo, terra de dinheiro, o povo de São Paulo é muito hospitaleiro, eu vim para São Paulo e não vou sair daqui. São Paulo conte comigo enquanto eu existir”

Quanto mais o ônibus anda, mais Clio vai ficando de coração leve, vai ficando longe de Dona Valdevina. Vai para São Paulo e se enche de orgulho. Um paulista havia contado a ela que ele não conhecia toda a cidade. Mas como, ela não conseguia entender um cidadão que não conhece toda a sua cidade. Vinha da pequena Senhora do Carmo. Baldeou nas Terras de Alfenas e sentou-se na poltrona, do lado da janela, que abriu facilmente. Abriu o biscoito Waffer e começou a comer a viagem. A única cidade grande que tinha conhecido era o Rio de Janeiro. Ela, Claus e Callas reinaram em Ipanema, na tia Neuza. Namoravam os maiores gatos da Barão da Torre. Puxou conversa com o vizinho de banco, um homem de 35 anos. Contou tudo da sua vida e especulou tudo da vida dele e conversaram de tudo e tanto nas 8 horas de viagem. Clio fumou sem parar, naquele tempo ainda se podia fumar no ônibus e comeu waffer. Sei que lá pelas 7 da manhã, chegando na cidade, o assunto já estava nas estrelas:

- Eu sou capricórnio e você?

- Então ta, boa sorte. Seu nome mesmo?

Ela era pequena diante de tantos prédios altos e tantas pessoas, como formigas, depois contaria à mãe. Foi até o táxi puxando a mala e disse o endereço e o trajeto que havia decorado, dizia-se que os táxis rodavam com as moças do interior que ali chegavam. Subiu dois andares até a casa de Perpétua, sua prima e tia Santa, que não poderia ter outro nome. Ficaria ali até encontrarem emprego e alugarem um apartamento. Claus e Callas já estavam lá. Willie Nelson cantava enchendo a sala de uma cadência de interior. Era o primo Gordo, que riu até as orelhas para elas. E que Clio nunca mais viu, ele partiu cedo para a terra do nunca mais.

O coração pula dentro do corpo. Callas fala: amanhã cedo vamos procurar emprego. E começou a saga de agência em agência. A primeira a se empregar foi Callas, em uma clínica de reprodução..Depois foi Claos numa agência de imóveis. Por último, Clio subiu os 36 andares do Edifício Itália e foi contratada como temporária na Embratel.

Foi Callas que sugeriu a Clio, você precisa escrever essa história. Era preciso falar dos sótãos das casas do Bexiga onde um dia Clio amou um homem, num tempo em que o amor era livre, decretado estava. Noite que terminou tomando café com creme no aeroporto. Ele a chamou de mulher e com ele foi para Vila Rica. As três irmãs – e os recém amigos de São Paulo, judeus ricos dos Jardins, universitários da FAAP. Cada um dormindo com o seu namorado, fumando cigarrilha San James e andando pelas neblinas de Ouro Preto. Estava decretado o amor livre. Acabava de conhecer Felini e já estava dentro de suas ruas, naquela cena verdadeiramente cinematográfica e que se gravaria em Clio pelo resto da sua vida. As neblinas de Vila Rica. Eles eram 10 e chegaram à noite em Ouro Preto. Onde dormir? Bateram numa república que se chamava ironicamente Tipo O. Um sonolento estudante atendeu a porta e sem olhar direito, abrindo a boca, fez com a mão, vão entrando e se organizem naquele quarto. Ali nos embolamos e cada um fez amor com seu namorado. Os amigos também quebravam conceitos. Gilberto Gil cantava beijo meu amigo como beijo meu pai. Meus amigos davam selinho para se despedir. Tudo era novo na década de 70.

Elas começavam a noite no Riviera. Sim, o Riviera da música. Ali freqüentavam. Dali, ficavam sabendo o endereço de alguma festa. Ser bicão era liberado em São Paulo àquela época. Assim foi que as três irmãs e mais a prima Primavera misturaram os guarda-roupas, puseram toucas e echarpes de lã e foram para a festa nos Jardins. A festa acontecia num elegante prédio, na casa de um dos judeus da turma. Credence ao fundo. Clio acaba na sala de som beijando Barbosa, mas terminaria mesmo namorando um menino que mais parecia um anjo, Lolô; eles dois os mais pobres da turma.

Então, Lolô foi iniciando Clio na leitura dos livros ... Gaiarsa, Sartre, poesias de Fernando Pessoa... Assistu a filmes na universidade e conheceu Zefireli, Antonioni, Polansky, Felini...A universidade era inflamada de cultura, havia uma fome no ar, uma vontade de transformar o mundo, uma fé, uma esperança de que a partir deles tudo ia ser diferente.

Havia um governo para derrubar, uma ditadura que se arrastava, mas nos primeiros dias, recém chegadas do interior, Clio, Claus e Maria Calas viviam uma deliciosa alienação, estavam em Sampa, juntas, em um quitinete em Santa Cecília, longe de Dona Valdevina, nos sambões do Ibirapuera, nos bares da Augusta, as noites de Sampa acolheram as três irmãs. Elas foram estudar no Colégio Objetivo, na Paulista e ali eram conhecidas pelos outros trezentos alunos, que gritavam – as mineiras.... quando elas chegavam com a prima Primavera. Clio usava uma toca e, então, todos faziam um mantra toca, toca, toca, toca; recém chegadas a São Paulo, carregando um sotaque forte de roceiro elas eram um sucesso!

A avenida Paulista era muito mais vazia, tranqüila de se caminhar. Logo Maria Callas descobre que a clínica de reprodução fazia abortos e saiu de lá. As três costumavam se encontrar na Praça da República na hora do almoço. Clio comia o lanche que ganhava na empresa ou, então, comprava com as irmãs três pastéis na Pastelaria portuguesa. As conversas eram tantas, tantas as novidades, que elas mais falavam que comiam e se alimentavam da novidade que a cidade oferecia. Tom zé cantava São São Paulo, minha dor. São São Paulo meu amor...

O quitinete das três é uma bagunça, elas não aprenderam a trabalhar, a avó, Dona Hortênsia, dizia para Dona Valdevina, deixa, quando precisar elas trabalham. Mas, nos primeiros dias, a preguiça vencia. Então, a mãe ia, a cada três meses, e arrumava a casa, lavava as roupas, fazia comida gostosa. Era um paraíso, chegar em casa e achar a casa brilhando, a presença de Dona Valdevina reinando sobre a limpeza e a sua comida inesquecível. Então, as três levavam os amigos para almoçar ali e conhecer a mãe. Minas Gerais morou naquele quitinete naqueles dias e uma matrona portuguesa, com certeza, que enchia nossas mesas de bolos. Os corredores do Edifício Rampinha sentiram pela primeira vez o cheirinho do autêntico bolo de fubá, em pleno Sampa, em 1975.

(Cleise Soares)

Um comentário:

  1. Daqui a pouco vou dormir embalada por essa estória que me é tão familiar!
    Saudades de um tempo em que a descoberta do mundo era feita "in loco", sem câmeras, televisão ou redes sociais. Tempo em que viver intensamente era quase uma ordem.

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