terça-feira, 14 de dezembro de 2010

RUA XV DE NOVEMBRO



"Cleise, envio estas fotos: Galiano(Nio) e se não engano é o Dimundinho que está com ele na porta da loja na casa da vovó Maria.
A outra me parece que é a Silvia(do tio Carlos), a Lena e a Solange( da Dª Salomé), o Dimundinho, Elsa(da Dª Negrinha) com o Antonio Augusto (Duti), eu e os outros acho que são da sua casa."

Recebi essas fotos acima da Ana Maria(.Vou situar: filha do Sô Mário e da Dona Olívia). Ana, eu e a Cláudia também estamos na fot, sentadas e a Carla em pé, ao lado da Lena. É o Dimundinho mesmo. Foi tirada na rua - então chamada XV de Novembro, quando o Camilo Aschar ainda não era apenas um nome de rua. Era uma pessoa e muito educada que vivia na esquina com sua mulher Elvira e duas filhas. Ali moramos - mamãe, papai e os sete filhos, a vó Alice e o Vô Soares, a Elisa, a Madrinha Tata, o Luizinho, o Jói - quem se lembra do Jói?

É só puxar a linha que a história vem chegando. Também moravam na Rua XV de Novembro quando éramos crianças: a Dona Ila e o eterno poeta Paulinho Astolfo, a Henriqueta com o Lourenço. A dona Alcina, que costurava as nossas roupas. O Leonardo, tio da Salete. (Tinha a Salete e a Salete moça, que era amiga da Madrinha Tata.) Lá também tinha a barbearia do Roque. De um lado, o Sô Nicolau (depois Camilo). Do outro, o Sô Túlio. Do lado do Sô Túlio, morava minha amiga Rodinha. Tinha a casa da Lena e da Solange (que estão na foto), filhas da Salomé. O muro comprido do colégio, o muro verde da Henriqueta...

Uma história me comoveu na rua XV de Novembro, que era também uma rua de muitas sombras. Ela trouxe para nós algumas tristezas - algumas prefiro nem acordar. Ali, perdi meu pai. Uma vale a pena contar. Eu era criança e conheci o Manoel. Um sobrevivente daquele terrível acidente/incêndio que dizimou grande parte de sua família. Quando tudo aconteceu, ele já tinha um câncer e uma das pernas cortadas. Mesmo assim, ajudou a tirar alguns irmãos. Ele subiu de muleta a Serra da Tormenta. Nós, crianças, ficávamos espiando o alpendre da Dona Ila onde ele namorava todas as mocinhas da rua. Cada hora uma beijava longamente a sua boca.
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Ao postar, cometi um erro e muito grave. Confundi o nome de Manoel Goulart com o do meu primeiro amor, o Joaquim. Não queria contar a história. Naquela noite anterior, ficamos até tarde com a sua irmã Bilica, que esperava sua família. À noite, ouvi criança vozes dizendo "acidente" "incêndio". Cada um de nós de casa, namorávamos um da família. E o meu namorado, justamente o Joaquim morreu nesse acidente. Ainda conservei por muito tempo uma foto dele, que se perdeu no decorrer da vida. Mas jamais vou esquecer dos primeiros olhares e do primeiro menino que pegou a minha mão. Olha, ele até brigou na esquina por mim. Eu me senti uma rainha ali sentada e ele e o seu primo Ricardo me disputando. Foi no tempo do doce de leite Bé. Com certeza, os da família vão se lembrar. Cada dia, um deles me mandava um doce de leite.

" Também me lembro muito do Sô Roque, dos pícoles do Sô Tulio. Dona Alcina era minha costureira, e as carambolas do Sô Humberto. A jabuticabeira da horta da sua casa como é bom relembrar esse tempo. E o Nego da Maria Henriqueta o que será feito dele?" (Ana Maria)


TEMPO DE PERDAS
Lembro-me também da fila imensa de mendigos que se formava todas as quintas feiras - a Ludi disse que foi instituído o Dia da Esmola. Não sei se era uma coisa lá de casa ou de toda a cidade para socorrer os que perderam com as águas de Furnas. Muita pobreza. Fome absoluta.
Papai deixava um saco de arroz na porta para distribuir. A cidade era triste, chorava o banzo, a perda.

Perdemos muito para Furnas. 212,18 km quadrados de terras férteis, vales. Perdemos fazendas centenárias, grutas com desenhos rupestres, casas. Dizem que há casas mobiliadas embaixo da água. Pessoas que se recusaram a sair, a negociar e deixaram tudo. Muitos enlouqueceram, suicidaram. Os políticos gritaram "não queremos ser a caixa d´água do Brasil". Resultou inútil, a água veio. E tudo foi mudando lentamente.

Nós adolecemos dentro desse banzo e da migração em massa da juventude para São Paulo e outras terras. Também a rádio convidava: São Paulo é São Paulo, terra da garôa. O povo de São Paulo, é muito gente boa. Eu vim para São Paulo e não vou sair daqui. São Paulo conte comigo enquanto eu existir..." A indústria chamava o Brasil ao trabalho.

E houve uma grande transmutação na região. Mudaram a geografia e o meio ambiente. Alterou o clima, que era muito gelado e ficou mais quente. No processo de transformação, aumentaram ratos, pernilongos, cobras - todos fugindo das águas, procurando a terra firme.

Você já imaginou o drama que a chegada da água causou? Primeiro a notícia, vão alagar tudo.
Onde? Quais as fazendas? Dizem que várias povoações ficaram ilhadas, separadas, sem comunicação. Pense no Itaci, o Porto Ponte, acho que até hoje não se recuperou do susto de ter subitamente se separado da sua cidade/referência. Foi bom? Foi. Foi preciso? Foi. Mas isso não impede de contarmos a história. Nós, que a presenciamos.

A gente nadava no aterro e a paisagem era de árvores mortas - uma aparência de pântano. Nadávamos entre capins. Era um perigo! Quantos morreram nessas águas e ainda morrem. Mas naquele tempo era mais perigoso. Não conhecíamos o fundo da água, não sabíamos sequer nadar. Esse era o panorama de fundo da década de 60/70 na cidade de Carmo do Rio Claro e, com certeza, no entorno. Cidades que tiveram que mudar de lugar? Guapé, Capitólio, que viram afogadas as suas igrejas, as suas casas, Fama... Tantos pequenos e grandes dramas. Eu mesma vi meu tio Evaristo, que era proprietário de uma grande fazenda - cheia de fartura - morrer cavando um sítio de terra dura no São Benedito, o que conseguiu comprar com a mísera indenização da hidrelétrica.
O FIO DA MEADA
Quero mesmo é puxar o fio dessa meada. Registrar para as gerações futuras, a história da cidade, transformada em suas bases com a chegada das águas. Se você tem uma história para contar sobre o Carmo e sobre a chegada de Furnas - os impactos, acontecimentos que presenciou, mande os relatos e fotos (se quiser) para meu e-mail cleisempsoares@gmail.com

SE VOCÊ CONHECE ALGUÉM QUE VIVEU ESSES DIAS DO "DILÚVIO" DE FURNAS,
MANDE OS RELATOS, PASSE O CONTATO PARA MIM, ANTES QUE OS TESTEMUNHOS VIVOS DESSA HISTÓRIA PARTAM DESSA PARA MELHOR, LEVANDO CONSIGO A HISTÓRIA VERDADEIRA QUE MORA DENTRO DAS PESSOAS.

Viu Ana Maria, onde fomos parar? Obrigada pela contribuição. Você que me lê, divida também conosco as suas lembranças do Carmo, que acabam sendo a lembrança de todos nós.

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