terça-feira, 4 de novembro de 2014

A VIDA SOCIAL NO CARMO DOS ANOS 60

Está é minha eterna professora de Português -  Literatura e que me ajudou a iniciar nas letras. Ela dava diferentes temas para que escrevêssemos livremente,  eu viajava, sempre gostei de escrever. Ela me valorizava. Lúcia Carielo, na foto com meu primo, o genial, Gabriel Vilela.
Abaixo, transcrevo um artigo seu, publicado no Expresso Carmelitano de 12 de junho de 2014. Uma verdadeira viagem aos anos 60. Fiz uma mesclagem com fotos.  Dá uma saudade! Degustem!

"    A década de 60, conhecida  como anos rebeldes ou anos dourados, foi rica em todas as áreas do conhecimento e marcou, definitivamente os rumos da humanidade. O mundo já não era o mesmo. Novo tempo, nova mentalidade e muitas mudanças. Quem viveu nos anos sessenta tem muitas histórias para contar. Histórias que trazem saudade!
   Nessa década, a  estilista britânica, Mary Quant inventou a mini-saia. O mundo conheceu o monoquini e a pílua anticonceptiva. O movimento hippie ganhou força. Os Beatles gravaram o primeiro disco. O homem foi à lua. Realizou-se o primeiro transplante do coração. Em 1965 foi transmitido o primeiro Festival de MPB. Fatos importantes como a construção do Muro de Berlim, a Guerra dos Seis Dias, os acirrados protestos contra a guerra do Vietnã e os assassinatos do ativista americano Martin Luther King e de J.F.Kennedy marcaram essa época. No Brasil, teve início a ditadura militar e a capital do país foi transferida do Rio para Brasília.





A chegada da água

 Para os carmelitanos, o início dos anos sessenta foi uma conturbada época que marcou a história, modificou a paisagem e a vida. Com a força de um vulcão, impetuoso mar azul invadiu nossas melhores terras e se alojou tranquilo por sobre verdes pastagens. Os corações encheram-se de medo de incertezas, de desesperança e de revolta contra o inevitável. A razão pós-se à frente,  tentando convencer o homem de que não lhe deveriam faltar pespectivas e confiança no futuro; o progresso chegaria através de rodovias asfaltadas e o mercado de trabalho estaria aberto ao carmelitano. O êxodo rural fez com que muitos se desesperassem e partissem rumo a outras terras, em busca de melhores dias.
O Itaci, do lado do Rio Sapucaí, antes das águas.
O Vapor Francisco Feio cortando as águas do Sapucaí, aportando no Porto Carrito, no Porto Belo, no Porto Ponte (Itaci)
E chegou o tal progresso!



O jardim do Carmo era assim. Atrás, a igreja antiga que foi ao chão no tempo do Padre Marcelo, em nome da modernidade. Casarões à esquerda já foram ao chão. A Capela ao fundo, ainda está ali, um pouquinho mais alta, sofreu uma intervenção na época do Ângelo. Ela tem símbolos maçônicos.

Não bastasse tudo isso, um incêndio destruiu a sede do único clube recreativo da cidade: o Grêmio Esportivo Carmelitano. No pouco que sobrou, por algum tempo, ainda foram realizados muitos bailes.
Naquela época, bailes eram marcados com muita antecedência e aguardados com ansiedade. Havia um ritual de preparação. As moças iam atrás de costureiras para confeccionar seus vestidos. Parentes e amigos que moravam fora eram convidados, e a cidade ficava movimentada. O salão do clube era decorado para cada baile. Obra do talento e da criatividade do artista carmelitano, Antônio Adauto Leite. Tudo era feito com muito requinte.
Bel Azevedo, modelito anos 70.


Para sair da rotina dos finais de semana, a mocidade promovia brincadeiras dançantes em casas de família. Bastava que na casa tivesse um aparelho de som, bons discos, e alguém que gostasse de dançar que ela era  solicitada. Estava armada a brincadeira. Uns avisavam aos outros e logo todos ficavam sabendo. Muitas brincadeiras foram realizadas na casa da Zirica, uma casa antiga na esquina em frente ao Colégio das Irmãs. Havia bons dançarinos naquele tempo. As músicas italianas (de Sérgio Endrigo, Peppino de Capri, Nico Fidenco e de Rita Pavone) e as orquestradas (de Ray Connif, Billy Vaugh e Paul Mauriat) eram as mais apreciadas. 
O sonho da juventude era o ter um clube recreativo novo. O povo logo começou a se movimentar, promovendo festas com o objetivo de arrecadar fundos para a construção de uma nova sede para o GEC.



A TV estava chegando ás casas.

Em julho de 1966, um grupo de jovens decidiu promover três dias de festa para ajudar na construção do clube. Eu fazia parte deste grupo. Fomos conversar com Dona Lourdes Palacine, diretora da escola Cel. Manuel Pinto, para ceder seu pátio para a realização da festa. Fomos temerosos e com a certeza de que receberíamos um 'não', porque Dona Lourdes tinha fama de brava e a escola havia sido pintada naqueles dias. Para surpresa de todos, ela abraçou a nossa causa e nos cedeu o pátio. A festa foi um sucesso. Do dinheiro arrecadado demos uma porcentagem para a caixa escolar e repassamos o restante ao clube. Quem animou a festa foi o conjunto musical 'Robertinho de Santos', se não me falha a memória. Esse conjunto já havia tocado aqui antes. Um dos seus integrantes era o Cleveland (filho do Sr. Onofre), um carmelitano que morava em Santos.

Nos anos de 1966 e 1967, o presidente do clube era o Sr. Lúcio Lemos. O vice-presidente. Sr. Moacir Vilela César, foi um dos idealizadores  do JECA NO GEC EM JULHO; uma festa que era realizada anualmente e que se tornou famosa pela animação e pela presença de tantos visitantes. Milton Luís Figueiredo Pereira, jovem carmelitano, com espírito de liderança e apaixonado por sua terra natal, teve papel importante na organização da feesta e em sua divulgação enttre os carmelitanos em São Paulo e em outros estados.

Joaquim e Toninha com seu irmão e  prima, no GEC.

    O tempo passou, o que um dia foi apenas uma ideia, um projeto, ganhou forma, tornou-se tradição e ponto de referência: o Grêmio Esportivo Carmelitano, orgulho do povo desta terra. 
    Muitos eventos programados para serem realizados à noite, deixaram de acontecer porque chovia, a cidade ficava sem energia elétrica e só no dia seguinte ela voltava. Por esse motivo, os bailes foram cancelados e muitas festas adiadas. As moças choravam de raiva e de decepção.

Edinho e seus Brasinhas 

    A vida social da cidade, aos poucos, foi se tornando mais intensa. No Cine Guarani, conhecemos os grandes sucessos do cinema. Às vezes, o filme era interrompido por algum defeito técnico, mas nada disso importava, apenas aumentava a ansiedade. Se alguém estivesse atrapalhando a ordem, vinha tal qual um vagalume, o 'lanterninha' , chamar a atenção. Havia um intervalo  rápido, no meio da sessão, para quem quisesse se levantar e ir até o hall de entrada comprar balas.

Nas imediações do Cine Guarani fazia-se o 'rela', nos finais de semana. Moças de braços dados desciam e subiam , num eterno vai e vem, flertando com os rapazes que se alinhavam um e de outro lado da rua. Muitos namores começavam ali. 
Foto do acervo do César Marinho, seu pai e um amigo, no Bar Pinguim.
BAR XV - O bar das nossas saudades.

O Bar XV era lugar agradável. O bom atendimento e a simpatia da Família Barbosa cativava
 os clientes, que eram muitos. Lá eram tocadas as músicas que faziam sucesso no momento. Serviam aperitivos e bebidas para todos os gostos. Foi no tempo da Cuba Libre, do Hi-Fi e do wisque com guaraná.
As roupas e os acessórios usados são lembrados, hoje, nos bailes 'Anos Sessenta'. São desta época a camisas de fios sintéticos da marca Valisére , as camisas 'Volta ao Mundo', os conjuntos de 'ban-lon' e as blusas de bouclê; depois vieram as calças de tergal, as calças de nycron, as calças jeans da marca Lee e as calças de boca de sino.

A MODA DOS ANOS 60

 As batas e as roupas de tons extravagantes (verde limão, laranja, azul turquesa e rosa shocking), sempre combinando com os sapatos faziam sucesso. NO final da década de 60, já estavam na moda as saias midi e maxi usadas com meias pretas. Brilhantina nos cabelos, correntes grossas no pescoço são algumas das marcas desta época.
Vestidos Tubinho

As mini-saias das graciosas garotas dos anos 70.


CIDADE DA MÚSICA

   Faziam  sucesso por aqui os conjuntos musicais: Ases do Ritmo (Job Milton e outros músicos carmelitanos); Robertinho dos Santos, Edinho e seus Brasinhas (hoje, Edinho Santa Cruz) de Passos. As orquestras Laércio de Franca e Cassino de Sevilha.
    Na cidade havia muitos seresteiros. Com voz e violão, ou com eletrola portátil era possível fazer uma serenata. Nas tardes sem fim dos domingos havia sempre uma eletrola e um papo amigo.
Quando teve início a construção da barragem de Furnas e das rodavias adjacentes, o Carmo renasceu. Funcionários de Furnas frequentavam a cidade e nos finais de semana as noites tornaram-se mais movimentadas. Foi nessa época, também, que o Carmo recebeu as mãos de obra do progresso: os candangos. Vindos de diferentes lugares, acamparam-se no bairro que ainda hoje é chamado de 'Acampamento'. Desfilavam pela cidade de sandálias havaianas, de óculos escuros e radinhos de pilha colados ao ouvido. Grandes sucessos da época. Eram funcionárias da companhias de pavimentação, Alcindo Vieira, Sotenco e Servienge, encarregadas de construir a rodovia que liga Passos a Alfenas. 


    A cidade não estava preparada para receber tantas pessoas: faltava água, faltava luz, mas não faltava hospitalidade. Animados frequentadores dos bailes da garagem do Zé Matildes, os candangos foram contagiados pelo sonho de um grupo de carmelitanos que queria construir um clube para os operários, a SOC. 
Um dos idealizadores da Sociedade Operária Carmelitana. 
Era o momento de começar a luta. Trabalhar, angariar fundos e concretizar o sonho. Foi nesta luta que encontramos a Maria Teixeira, a Maria do Chicão, a Ifigênia e a Dona Olívia a fazer tira-gostos e o Zé Matildes e outros a promover bailes e a pedir, aqui e ali, material para construir o clube. Não lhes faltou a ajuda do povo e das companhias de asfalto. E assim foi surgindo, pouco a pouco, na rua Cel. José Bento, com o suor do trabalhador, a Sociedade Operária Carmeleitana (SOC), cuja história é a história de um povo que batalhou para a realização de um sonho. Os dois clubes da cidade, o GEC e a SOC eram adversários nos estádios de futebol, mas unidos na mesma responsabilidade: a de promover a vida social de Carmo do Rio Claro. 

EDUCAÇÃO EUROPÉIA


A educação também movimentou a cidade. O Carmo era polo cultural da região. Difundia a melhor cultura, vinda da França e da Itália, através das irmãs da Providência e dos Irmãos de São Grabriel. Aqui estudavam, além dos carmelitanos, alunos vindos de outras cidades da região que moravam nas escolas, em regime de internato. Nessa época, chegavam ônibus lotados, vindos de longe trazendo jovens para prestar exames de Madureza, no Colégio dos Irmãos. Da cidade de Caconde, interior de São Paulo, vinha muita gente. A maioria hospedava-se no hotel do Marcílio.
     Havia o Seminário de São Gabriel, que ficava na rua Getúlio Vargas. Em regime de internato, jovens ali se prepararavam para um dia serem Irmãos de São Gabriel. Todas as manhãs subiam, em fila, rumo ao Colégio Montfort onde estudavam.
      Havia uma grande liderança jovem, idealista e atuante no Carmo dessa época. Muitos desses jovens faziam parte da União Estudantil Católica - a UEC - e  promoviam muitos eventos no meio estudantil. Para quebrar a monotonia da cidade, mal a tarde caía e a noite chegava, começava a funcionar, no antigo ponto rodoviárioa, o serviço de alto-falante da UEC, que tocava os sucessos musicais do momento.

O FUTEBOL
     O futebol carmelitano ganhou destaque na região. O Centro Esportivo Carmelitano Montfort (CEM), incentivado pelos irmãos de São Gabriel, especialmente pelo irmão Alberto, pelo Milton Luís e Leonardo Carielo (técnicos e treinadores) e Chico David (massagista), revelou muitos jogadores de talento. A escola promovia ora manhãs, ora tardes, ora noites esportivas, e a animação era grande.
      Havia também o time do GEC e posteriormente, o da SOC. Domingo à tarde, vindos dos quatro cantos da cidade, torcedores desciam para o Campo do GEC, para assistir as animadas partidas de futebol. 
     Foi neste tumultuado contexto que vivemos os melhores dias da nossa juventude. Hoje, as lembranças são tantas, uma puxa a outra, se atropelam, provocando uma grande saudade. Foi um tempo bom que marcou a história do Carmo e a história de nossas vidas".
Maria Lúcia de Oliveira Carielo





Um comentário:

  1. Lucia Carielo, muito obrigada por reavivar nossas memórias! Nossa sociedade era tão diferene, tão unida! É uma pena, que nos tempos em que vivemos as pessoas tenham se dispersado!
    Um abraço de sua ex e agradecida aluna Carla Soares

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