domingo, 13 de novembro de 2016

Sou paineira. Tempo! Tempo!

Chove uma chuvinha criadeira em Belo Horizonte. Ouço galos "acordando universos". Sempre que ouço galos ao amanhecer lembro-me de Rubens Alves. Galos me levam à Fazenda Água Limpa, no sul de Minas Gerais. O amanhecer da minha infância. Chuva pra mim é um conforto, mesmo quando tenho que enfrentá-la nas ruas rumo ao trabalho. Me inspira.
Com quase 60 anos sinto-me no alto de uma montanha, olhando o caminho percorrido. Momento de pesar, medir, avaliar, ver o que foi conquistado e os sonhos ainda possíveis de serem realizados. É assustador subir esta montanha e ver que, em 10 anos, serei uma anciã de 70 anos. Ainda moram em mim a criança e a adolescente que fui. Não mora em mim uma senhora de 60 anos. Devo até pagar mico, porque realmente me esqueço.

Penso também que, aos 70 anos, terei alcançado uma sabedoria que ensinará a encarar a finitude. É tudo lento, imperceptível, assim como uma folha seca. Somos a natureza. Teríamos que ver beleza no fim. 
Ao fundo, da janela da cozinha, pode-se observar as paineiras do quintal.
Mas, diante de meus sogros velhinhos encaro a decrepitude, a loucura mental e um espetáculo de fraldas e fezes e não consigo ver beleza. Me ocorre que a beleza está no diamante em nós, que é lapidado enquanto cumprimos a missão e se desfazem as ilusões da vida. Porque ela é nua e crua, dura e doce, cruel e bela. Tudo para nos testar. Só Deus mesmo para nos dar força na missão a nós delegada!
Atualmente, coqueiros crescem em frente a Fazenda Água Limpa, à direita, outra paineira também começa a contar o tempo. (Foto de Eugen Emmerick)
Assim foi com a paineira da Fazenda Água Limpa, que morreu lenta e bela e foi criando narrativas. Um galho caiu e criou um portal. Um outro criou um coração. Até o final floriu uma outra flor, uma ou outra paina. 
Hoje, ela habita nas lembranças da Fazenda Água Limpa. Era enorme, amada, plantada na construção do antigo casarão. Por muitos anos, era o símbolo da fazenda. Hoje, é tempo dos coqueiros. Na entrada, há uma alameda de paineiras antigas e, no fundo do quintal, elas o contornam. Todas contam o tempo. A paineira me deu um lindo recado sobre a vida e a morte. Ela pode ser bela!

"Sou de negros troncos fortes
Sou de negros troncos ocos
Sou antiga fortes raízes
Paineira.
Sou uma doce paineira
E teço espinhos e painas verdes
Às vezes me tinjo de rosa,
Cor rosa nas minhas vestes
E trago flores o u seco.
Já flori e desflori.
Sou paineira.
Tempo. Tempo."

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