sábado, 8 de outubro de 2016

A chegada das águas em Carmo do Rio Claro

Quando represaram nossos rios juntaram Rio Grande, Rio Sapucaí, Rio Claro e saíram por aí comendo terras, degustando árvores e deixando paisagem de pântanos, árvores , muscos e matos morrendo dentro da água e nós, como peixes desavisados, entalamos nos buracos de tatu, nas cercas de arame farpado, nos redemoinhos.
Olha a água na paisagem.

Mães nas casas coração na mão, filho meu nadando no aterro de Santa Quitéria e podem voltar mortos. Foram tantos. Uma mãe recebeu não só um filho e o desespero é quase desvario, Chegaram duas filhas gêmeas, a irmã mais velha e uma vizinha. uma tentando salvar a outra.

Tudo foi triturado lentamente os bichos os rios as árvores e nós, na beira água não fomos poupados e também vimos nossos filhos serem tragados pela água. Os fazendeiros gritando, não vou vender as terras, não vou negociar, casas mobiliadas tragadas. Carmo do Rio Claro naufragou como Noé sem arca. Chovia enfiado, casas mofadas. Dias e dias embernados debaixo das cobertas. E os pernilongos, eles aumentaram e muito depois das águas.
A balsa que corta o lago nos dias de hoje.
Esta foto do meu irmão Edmundo Figueiredo tem o nome de Socorro!
História
Quando a hidrelétrica de Furnas chegou a Carmo do Rio Claro, virou ponto turístico. Os visitantes iam até o canteiro de obras. Uma vez fomos com algumas visitas do Rio de Janeiro. Quase morremos de medo ao atravessar as gigantescas torres. De cima, víamos os operários, que pareciam formiguinhas. Enquanto isto, a região era invadida pelos candangos, pessoas de todo o Brasil foram para o Sul de Minas, dispostos a trabalhar na hidrelétrica. Os que chegaram ao Carmo ficaram no Acampamento; esta é a origem do nome deste bairro. A obra, feita em moldes nada ecologicamente corretos trouxe transtornos e tristeza para a população local. Muitos perderam as melhores terras. 
"As águas alagaram as várzeas em que o povo plantava alho, arroz, feijão e cobriram as árvores que davam lenha para os fogões. Alguns acharam muito ruim perder as terras, mas reclamar de que jeito? As boiadas que passavam diariamente pelos Rochas indo para Três Corações sumiram. Ir para Fama ficou muito difícil. As festas minguaram. A jardineira que ligava Alfenas a Paraguaçu, passando pelos Rochas, parou de circular. Acabou tudo. (Depoimento de Sebastião Teodoro Rocha, morador de Fama, 89 anos de idade, Jornal dos Lagos, n. 2269, 5 de maio de 2007, p. 5).

A cidade [Carmo do Rio Claro] só tinha lavoura de milho e arroz. Os fazendeiros entraram na Justiça contra Furnas e alguns chegaram a armar os empregados. Houve quem quisesse apossar dos fuzis do Tiro de Guerra. Vieram 50 soldados do Exército de Pouso Alegre para retirar os que não queriam sair de suas terras. Com a represa pronta, o Carmo morreu, o povo passou fome, muitos foram embora para Boa Esperança, Areado e Alfenas (Depoimento de Pedro Ricardo de Carvalho, morador de Carmo do Rio Claro, 66 anos de idade, Jornal dos Lagos, n. 2269, 5 de maio de 2007,p. 4).

A construção da Hidrelétrica de Furnas estendeu-se de 1958 a 1962. A usina, com capacidade de 1,216 milhão de kW, começou a funcionar em 1963. O reservatório de Furnas desapropriou aproximadamente 5 mil propriedades e inundou cerca de 500 mil ha agricultáveis (Jornal dos Lagos, n. 2269, 5 de maio de 2007, p. 2-3)

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