quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

FURNAS - O DECRETO PRESIDENCIAL

Olha aí um dos vapores que deslizavam no Rio Sapucaí. Como era lindo o rio!

'QUEREM FAZER DE MINAS A CAIXA D´ÁGUA DO BRASIL"

Quero aqui deixar declarado o meu agradecimento eterno a Ildeu Manso Vieira, que nos legou o livro "Mandassaia" e que registra em detalhes a chegada hidrelétrica de Furnas à região do Sul de Minas. Os gritos, apelos e protestos da população atingida, os chefões de Furnas, os advogados de ambos os lados, mostrando o impacto profundo na vida de cada uma das pessoas. Eu realmente não sabia que a história estava escrita, quando escrevi a es/história Hortênsia Paineira, relatando o fato. Eu sabia de tudo aquilo porque vivi. Sempre sonhava com a água atingindo a Fazenda Água Limpa... O inconsciente coletivo exalava perda, banzo, revolta, saudades... Eu nasci com a hidrelétrica, quando Juscelino assinou o decreto, em 1957. Hoje, conto e reconto a história e esse blog se preza também a isso, a um desabafo coletivo.

Com a licença da família Manso Vieira, vou postar aos poucos trechos do Mandassaia, riquíssimo em preservar a cultura da região sul mineira, em eternizar personagens, alguns conhecidos de muitos de nós. Meu irmão, Joaquim Vilela Soares, conheceu todos os envolvidos. Mais imagens - e reais - passaram a povoar o meu universo poético.

O chefão inglês fumando cachimbo, tomando wisky e tratando mal os empregados. O gaúcho Faveret, de bombacha e lenço no pescoço, dirigindo a empresa com mãos de ferro. Os gritos dos Trumbucas do Carmo e do povo de Guapé, Boa Esperança, Alfenas, Campo do Meio...Os recursos jurídicos do advogado Noé Azevedo, de Boa Esperança, os discursos inflamados do deputado Geraldo Freire. Como não encontramos esse livro nas livrarias, apenas em algumas bibliotecas particulares, tomo a liberdade de contar Mandassaia para vocês.

O DECRETO PRESIDENCIAL (pg. 141)

"O início de 1958 agitou as barrancas do rio Grande e Sapucaí. O decreto presidencial, declarando de utilidade pública os imóveis e benfeitorias na área necessária à construção da barragem e reservatório, jogou mais lenha na fogueira.
Os proprietários de terras marginais aos dois enormes rios do Sul de Minas e afluentes, abaixo da curva de nível 769, alvoroçaram-se.
O padre prussiano de Guapé, intensificou pregações contra as ex-propriações de terras, dizendo aos fiéis que matar furneiros não era pecado e a rádio carmelitana deu continuidade aos insultos, inflamando o povo:
"Furnas, o crime do século..."

Os Trumbucas fizeram novas cavalgadas e organizaram verdadeiras cruzadas para defender a propriedade privada, ameaçada pelo decreto ex-proprietário baixado em fevereiro daquele ano.
JK e Jango, eleitos com votos dos comunistas, eram ameaçados de "impeachment" pelos carmelitanos, guapenses, alfenenses e outros mineiros belicosos. Com o decreto ex-proprietário, a obra prioritária do governo deixou de ser uma incógnita, transformando-se em realidade.
A UDN, que antes taxava a obra de faraônica e inexequível, por parte do governo, alegando falta de recursos e capacidade técnica, mudou o tom do discurso.
Poderosas empresas eram contratadas para dinamizar os serviços. Máquinas pesadas de última geração rasgavam a terra, removiam montanhas e mudava o curso do rio Grande nas corredeiras das Furnas.
Políticos agitavam as massas nos municípios ameaçados e os funcionários da empresa mista eram hostilizados pelos pirangueiros nos patanais.
Noé Azevedo sentenciava:

"Furnas tem que responder pela violação de um direito, pela prática de ato ilícito"

Ele investia contra os adeptos do materialismo econômico e não encontrava razões filosóficas que justificassem a extinção de comunidades sociais. Para o ilustre professor, somente a Assembléia Legislativa de Minas Gerais poderia criar municípios, extinguí-los e determinar a anexação de territórios subsistentes a municípios vizinhos. O jurista de Campo do Meio asseverava aos conterrâneos:

"Não é possível extinguir por decreto uma pessoa jurídica de direito público"

As frases de efeito do jurista interiorano que conquistou a cidade grande transformavam-se em brados de guerra para os expropriados de Furnas, carentes de justiça."

CURIOSIDADE
O livro conta que na Vila das Águas Verdes - que fazia divisa entre Boa Esperança e Campo do Meio, todos tinham apelido e aquilo incomodava os compradores de Furnas. Um deles, Pereira de Castro fora apelidado de Bico-de-Tucano. Quando lá chegou um comprador carioca de nome Coxeira, resolveu negociar por uma janelinha para não ser visto e, então apelidado.
"Coxeira voltou para Boa Esperança convicto de que escapara do apelido. Todavia, Antônio Reis, morador da Chapada, curioso, apareceu na pensão e perguntou:

Ô Zezinho, o Cuco ainda está enfurnado aí ou já foi embora para Boa Esperança?
A ojeriza pelos apelidos aumentou quando Coreixas recebeu um convite remetido pelo cartorário Antônio Moraes, de Campo do Meio, para o casamento de

Zé do Bode com Maria Capivara, fihos de João Macaco e Zefa Siriema, de João do Pagode e Cida Maritaca.

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