O
ônibus sacoleja pelas estradas de terra que levam a Alfenas. Ela vem de Carmo
do Rio Claro, vai baldear nas Terras de Alfenas e, de lá, para São Paulo. Suas
irmãs já foram. Juntando-se a elas, vão procurar emprego. Havia uma migração
natural para os filhos do Carmo pós-hidrelétrica. A mãe viúva ficou lá atrás
rezando os terços e zelando de longe pelas três filhas mocinhas. Mas, o quê que
podia fazer, era o destino dos jovens pós a água de Furnas. O pai morreu
prematuro, a mãe dona Valdevina fazia salgadinhos para vender. As filhas foram
para vencer em São Paulo.
O
rádio convida São Paulo é São Paulo, terra de dinheiro, o povo de São Paulo é
muito hospitaleiro, eu vim para São Paulo e não vou sair daqui. “São Paulo
conte comigo enquanto eu existir”
Quanto
mais o ônibus anda, mais Clio vai ficando de coração leve, longe de Dona
Valdevina. Vai para São Paulo e se enche de orgulho. Um paulista havia contado
a ela que ele não conhecia toda a cidade. Mas como, ela não conseguia entender
um cidadão que não conhece toda a sua cidade. Vinha da pequena Carmo. Baldeou
nas Terras de Alfenas e sentou-se na poltrona, do lado da janela, que abriu
facilmente. Abriu o biscoito Waffer e começou a comer a viagem. A única cidade
grande que tinha conhecido era o Rio de Janeiro. Ela, Claus e Callas reinaram
em Ipanema, na tia Neuza. Namoravam os maiores gatos da Barão da Torre. Puxou
conversa com o vizinho de banco, um homem de 35 anos. Contou tudo da sua vida e
especulou tudo da vida dele e conversaram de tudo e tanto nas 8 horas de
viagem. Clio fumou sem parar, naquele tempo ainda se podia fumar no ônibus e
comeu waffer, que virou mania de todas as viagens. Lá pelas 7 da manhã,
chegando a São Paulo, o assunto já estava nas estrelas:
-
Eu sou capricórnio e você?
-
Então ta, boa sorte. Seu nome mesmo?
Ela
era pequena diante de tantos prédios altos e tantas pessoas, como formigas,
depois contaria à mãe. Foi até o táxi puxando a mala e disse o endereço e o
trajeto que havia decorado, - Vila Mariana - dizia-se que os táxis rodavam com as moças do
interior que ali chegavam. Subiu dois andares até a casa de Pepeca, sua prima e
tia Santa, que não poderia ter outro nome. Ficaria ali até encontrarem emprego
e alugarem um apartamento. Claus e Callas já estavam lá. Willie Nelson cantava
enchendo a sala de uma cadência de interior. Era o primo Gordo, que riu até as
orelhas para nós. Ele, que Clio nunca mais viu; ele partiu cedo para a terra do
nunca mais.
O
coração pula dentro do corpo. Callas fala: amanhã cedo vamos procurar emprego.
E começou a saga de agência em
agência. A primeira a se empregar foi Callas, em uma clínica
de reprodução.. Depois foi Claos numa agência de emprego. Por último, Clio
subiu os 36 andares do Edifício Itália e foi contratada como temporária na
Embratel.
Callas
sugeriu a Clio: você precisa escrever essa história. É preciso falar dos
sótãos das casas do Bexiga onde um dia Clio amou um homem, num tempo em que o
amor era livre, decretado estava. Noites que terminavam em um café com creme no
aeroporto.
Como
falar daquela noite em que deitou pela primeira vez com aquele moço, tão moço
como ela, também desbravando e se deu sem prazer, o prazer de ser mulher, mas
apenas para ser livre. Ele a chamou de mulher e com ele foi para Ouro Preto. As
três irmãs – e os recém amigos de São Paulo, judeus ricos dos Jardins,
universitários da FAAP. Cada um dormindo com o seu namorado, fumando cigarrilha
San James e andando pelas neblinas de Ouro Preto. Estava decretado o amor
livre. Acabava de conhecer Fellini e já estava dentro de suas ruas, naquela
cena verdadeiramente cinematográfica e que se gravaria em Clio pelo resto da
sua vida. As neblinas de Vila Rica. Eles
eram 10 e chegaram à noite em Ouro Preto.
Onde dormir? Bateram numa república que se chamava
ironicamente Tipo O. Um sonolento estudante atendeu a porta e sem olhar
direito, abrindo a boca, fez com a mão, vão entrando e se organizem naquele
quarto. Ali nos embolamos e cada um fez amor com seu namorado. Os amigos também
quebravam conceitos. Gilberto Gil cantava beijo meu amigo como beijo meu pai.
Meus amigos davam selinho para se despedir. Tudo era novo na década de 70.
Elas
começavam a noite no Riviera. Sim, o Riviera da música. Ali freqüentavam. Dali,
ficavam sabendo o endereço de alguma festa. Ser bicão era liberado em São Paulo àquela época.
Assim foi que as três irmãs e mais a prima Vera misturaram os guarda-roupas,
puseram toucas e echarpes de lã e foram para a festa nos Jardins. A festa
acontecia num elegante prédio, na casa de um dos judeus da turma. Creedence ao
fundo. Clio acaba na sala de som beijando Barbosa, mas terminaria mesmo
namorando um menino que mais parecia um anjo, Lolô.
Então,
Clio começou a ler os livros que ele lhe emprestava e estavam na ponta da
língua textos de Gaiarsa, Sartre, poesias de Fernando Pessoa... Assistiam a
filmes na universidade. Começou a conhecer Zefireli, Antonioni, Polanski, Fellini...A
universidade era inflamada de cultura, havia uma fome no ar, uma vontade de
transformar o mundo, uma fé, uma esperança de que a partir deles tudo ia ser
diferente. Não importava o corpo, o rosto; mais importante era ter conteúdo,
ser engajado.
Havia
um governo para derrubar, uma ditadura que se arrastava, mas nos primeiros
dias, recém-chegadas do interior, Clio, Claus e Maria Calas viviam uma
deliciosa alienação, estavam em Sampa, juntas, em uma quitinete em Santa Cecília , longe
de Dona Valdevina, frequentando os sambões do Ibirapuera, os bares da Augusta, o Pingão, no Largo do Arouche; as
noites de Sampa acolheram as três irmãs. Elas foram estudar no Colégio
Objetivo, o primeiro cursinho do Brasil, na Paulista e ali eram conhecidas pelos outros trezentos alunos, que
gritavam – as mineiras.... quando elas chegavam com a prima Vera. Clio usava
uma toca e, então, todos faziam um mantra toca, toca, toca, toca; recém-
chegadas a São Paulo carregavam um sotaque forte do interior, elas eram um
sucesso!
A
Avenida Paulista era muito mais vazia tranquila de se caminhar. Logo Maria
Callas descobre que a clínica de reprodução fazia abortos e saiu de lá. As três
costumavam se encontrar na Praça da República na hora do almoço. Clio comia o
lanche que ganhava na empresa ou, então, comprava com as irmãs três pastéis na
Pastelaria portuguesa. As conversas eram tantas, tantas as novidades, que elas
mais falavam que comiam e se alimentavam da novidade que a cidade oferecia. Clio trabalhava no 36º andar do Edifício Itália, via São Paulo de muito alto!
A
Rainhas de Ipanema!!! Adorei! Não sei quase nada da nossa família, alias nada da família de mamy, ela era muito reservada e nunca contou sequer como foi sua infância, acredita? Por aqui fico sabendo um pouco e me dá um conforto, parece que estou mais perto de tudo que perdi.
ResponderExcluirbjimm prima querida
andrea
Andréa, você vai bem, querida? pois é, temos algumas histórias no Rio de Janeiro. Vou contar no blog. Aguarde.
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